Thursday, November 08, 2012

Acidente de trabalho - CETESB deve indenizar. Acórdão.


 PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO
10ª TURMA
PROCESSO TRT/SP Nº 0098800-82.2004.5.02.0021
RECURSO ORDINÁRIO DA 21a
 VT DE SÃO PAULO.
RECORRENTE: RAUL FERREIRA BARTHOLO.
RECORRIDO:  CETESB  CIA  AMBIENTAL  DO  ESTADO  SÃO
PAULO.



0098800-82.2004.5.02.0021

Inconformado com a r. sentença de fls. 694/695-verso,
cujo  relatório  adoto,  que  julgou  improcedente  a  reclamação,  recorre
ordinariamente o reclamante. Em suas razões de fls. 697/704-verso, pleiteia
a reforma do julgado com relação a indenização decorrente do acidente do
trabalho  e  seus  efeitos  na  sua  saúde  e  moral,  quanto  ao  adicional  de
periculosidade e dos danos morais relativos aos atos da administração.
A sentença recorrida foi proferida após julgamento do
Recurso de Revista (fls. 671/680), que afastou a prescrição acolhida em
sentença (fls. 497-A/504) e acórdão deste E. Tribunal (fls. 571/591), com
relação aos pedidos de danos morais.
Tempestividade (fls. 696).
Contrarrazões da reclamada às fls. 706/709-verso.
Sem manifestação do Ministério Público do Trabalho

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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO
(portaria 03/05 da PRT/2ª Região).


É o relatório.
VOTO

Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos
de admissibilidade.
1. Da indenização decorrente do acidente de trabalho
e seus efeitos na saúde e moral do trabalhador – Pleiteou o reclamante o
pagamento  de  indenização  por  danos  morais  decorrentes  de  moléstia
decorrente de acidente do trabalho.

Quanto  à  existência  da  culpa,  faz-se  algumas considerações.

No  Estado  liberal,  como,  infelizmente,  até  hoje  nos
ensinam  nas  Escolas,  havia  uma  separação  entre  moral  e  direito,  este
impulsionado pelo caráter obrigacional e aquele por uma espécie de dever,
cujo  efetivo  exercício  depende,  unicamente,  da  livre  vontade  dos
indivíduos.

Eis, como conseqüência, os postulados básicos de um
direito na ordem liberal: a) a preocupação com o próximo decorre de um
dever moral: tornar esse dever em uma obrigação jurídica elimina a moral
que  deve  existir  como  essência  da  coesão  social;  b)  todo  direito
obrigacional emana de um contrato: a sociedade não deve obrigação a seus
membros; só se reclama um direito em face de outro com quem se vincule
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pela  via  de  um  contrato;  c)  a  desigualdade  social  é  conseqüência  da
economia (e a igualdade, também): quando o direito procura diminuir a
desigualdade,  acaba  acirrando  a  guerra  entre  ricos  e  pobres  (ricos,
obrigados  à  benevolência,  buscam  eliminar  o  peso  do  custo  de  tal
obrigação; pobres, com direitos, tornam-se violentos); d) a fraternidade é
um conceito vago que não pode ser definido em termos obrigacionais; e) o
direito  só  tem  sentido  para  constituir  a  liberdade  nas  relações
intersubjetivas, pressupondo a igualdade (a ordem jurídica tem a função de
impedir os obstáculos à liberdade); f) o direito não pode obrigar alguém a
fazer o bem a outra pessoa; g) “em uma sociedade constituída segundo o
princípio da liberdade, a pobreza não fornece direitos, ela confere deveres”.

Essa  idéia  inicial  do  modelo  liberal  avança  com  a
inserção da noção  de responsabilidade  civil, fixada  no artigo 1.382 do
Código  Civil  francês.  Trata-se,  no  entanto,  ainda,  de  uma  obrigação
ambientada no modelo liberal e, portanto, por este influenciada.

No aspecto das relações de trabalho, que nos interessa,
mesmo com o advento da responsabilidade civil, continua-se dizendo que
os riscos a que se sujeitam os trabalhadores num ambiente do trabalho não
podem  ser  imputados  a  quem  os  subordina  e  mesmo  à  sociedade.  As
incertezas da vida e os seus riscos atingem a todos igualmente, não se trata,
pois, de atributo de uma certa classe de homens. Assim, cabe a cada um
ganhar sua segurança no exercício pleno da liberdade

A  previdência,  de  natureza  individual,  apresenta-se,
pois, como a virtude liberal por excelência. “Riqueza e liberdade têm a
mesma origem, a liberdade. O pobre poderia ser rico pela mesma virtude
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que fez a riqueza do rico. Assim, assegurar seria apenas uma atribuição de
cada um. Querer descarregar sobre outro a sua responsabilidade, é abdicar
de  sua  liberdade,  renunciar  a  sua  qualidade  de  homem,  desejar  a
escravidão”.

Neste sentido, há, sobretudo, uma responsabilidade de
cada um por atingir os meios de sua sobrevivência, inclusive quanto aos
aspectos dos riscos presentes e futuros. “Em outras palavras, no modelo
liberal não há vítimas. Neste sentido, inicialmente, apenas o fato de sofrer
um mal não vos confere nenhum direito sobre nada. Neste sentido, ainda,
somente à própria vítima, qualquer que sejam os sentimentos de piedade e
de compaixão que ela possa inspirar, é supostamente sempre o autor de seu
destino”.

Pela noção jurídica de responsabilidade civil no modelo
liberal,  portanto,  “não  há  nenhum  desejo  de  uma  ação  corretiva  da
sociedade sobre a natureza. A responsabilidade jurídica apenas remete as
coisas ao seu estado: ela não corrige, ela restabelece, repara”. Assim, para
surgir a obrigação decorrente da responsabilidade civil não basta que se
cause dano a alguém, é essencial que se demonstre a sua culpa, sendo a
ausência de culpa presumida e interferindo na avaliação desta os aspectos
culturais determinados pelo pensamento liberal, ou seja, a verificação, com
relevo,  da  responsabilidade  da  pretensa  vítima  no  que  tange  ao
cumprimento de sua obrigação de cuidar de si mesma, exercendo, na sua
plenitude, a liberdade.

Além disso, reconhece-se que a vida social no modelo
liberal é cheia de dificuldades e, cabendo a cada qual livrar-se delas, são,
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naturalmente, impostos às pessoas alguns modos de agir, que podem até
causar dano a alguém, mas como são efeitos do exercício da liberdade, na
busca  da  satisfação  de  interesses  individuais,  que  se  põem  à  base  do
desenvolvimento do modelo, não são suficientes para se imputar ao autor
do dano uma responsabilidade, pois em tais circunstâncias não há culpa.

Como explica François Ewald, “esta é uma conseqüência inelutável do
princípio da liberdade do trabalho e da indústria e é da concorrência que ela
resulta”.  A  concorrência  seria,  portanto,  como  demonstra  Ewald,  “a
garantia de poder impunemente causar certos prejuízos a outros”.
Em suma, a regra de responsabilidade é “expressão e
guardiã da própria racionalidade liberal”.

No Estado social e no conseqüente direito social que lhe
é conseqüente, e vice-versa, no entanto, a lógica só pode ser outra.
Como se bem sabe – e não há como relatar todos os
fatos  no  âmbito  deste  texto  –  foi  das  diversas  tensões  da  sociedade
industrial em formação, em nível mundial, com todos os seus efeitos reais,
guerras,  greves,  revoltas,  reivindicações,  mortes  e  mutilações,  que  se
necessitou sair do modelo liberal para se chegar ao Estado social, ou Estado

Providência,  ou, ainda, Estado do bem-estar social.  Fundamentalmente,
difere o novo modelo do antigo no aspecto da solidariedade social, que
deixa  o  campo  da  ordem  moral  para  se  integrar  à  ordem  jurídica,
reconhecendo-se que do vínculo social advém a responsabilidade de uns
para com os outros, cabendo ao Estado a promoção de todos os valores que
preservem a vida, na sua inteireza, independente da condição econômica ou
da sorte de cada um. E, é claro, no contexto da produção capitalista, que
permite  a  utilização  do  trabalho  humano  de  outrem  para  geração  de
riquezas próprias, aqueles que se beneficiam do sistema, sob a ótica do
direito social, têm, naturalmente, responsabilidade para com aqueles de
quem exploram o trabalho, nascendo daí obrigações que vão muito além
das cláusulas contratuais expressas.

E, o acidente do trabalho, dada a sua enorme incidência
e seus terríveis efeitos (equiparáveis ao de uma guerra, ou piores), foi um
dos fatos sociais mais determinantes para essa mudança do modelo jurídico
e  político  do  Estado,  conforme  demonstra,  com  riqueza  de  detalhes
históricos,  François  Ewald,  em  sua  célebre  obra,  História  do  Estado
Providência, já mencionada.

Como  diz François  Ewald,  “os  acidentes  do trabalho
foram  a  ocasião  de  uma  dupla  linha  de  formação  do  direito social.  A
primeira  é  a  linha  jurídica  da  responsabilidade  civil:  o  direito  social
apareceu  nos  seus  impasses,  como  seu  reverso,  pela  necessidade  de
preencher  suas  lacunas.  Ele  pertencia  a  um  direito  novo  de  fazer
desaparecer  estes  ‘sofrimentos  imerecidos’  que  o  direito  comum  não
chegava a reduzir”.

A  questão  dos  acidentes  do  trabalho  “foi  o  lugar
privilegiado  da  expressão  e  de  condensação  do  conflito  das
responsabilidades”, alastrando-se para a base de formação do direito e do
próprio Estado, e dando origem ao Estado Providência.

O direito social, que é o resultado dessa nova concepção
jurídica  obrigacional,  adquire,  até  mesmo,  feição  promocional.  As
obrigações são estabelecidas inclusive visando a uma ação concreta, não só
para evitar a ocorrência de dano, mas também para a efetivação de certos
valores  essenciais  ao  desenvolvimento  da  personalidade  humana
(educação, saúde, lazer etc.)

Da  discussão  jurídica  em  torno  da  responsabilidade
decorrente do acidente do trabalho foi que se desenvolveu toda uma teoria
que motivou o surgimento de diversas leis de proteção contra o acidente do
trabalho  (na  Alemanha,  em  1871  e  1884;  na  Áustria,  em  1887;  na
Dinamarca, em 1891; na Inglaterra, em 1897; na França, em 1898; e, na
Espanha,  em  1900),  todas  adotando  a  teoria  do  risco  profissional,  que
acabaram se tornando a base do Estado social. O debate, aliás, durou vários
anos  e  se  tratava  de  encontrar  uma  “nova  maneira  de  pensar  a
responsabilidade, que romperia então com a filosofia da culpa”.

O acidente do trabalho, ou melhor, a necessidade de se
estabelecerem obrigações jurídicas pertinentes à sua prevenção e reparação
foi, assim, um dos principais impulsos para a formação do direito social e
do seu conseqüente Estado social.

A construção  da  idéia  de responsabilidade  pelo risco
profissional, que se consagrou com o tempo, forma a base do direito social,
como alternativa ao direito civil, abalando sua base liberal no aspecto do
contrato  e  da  responsabilidade  civil,  para  dar  uma  resposta  efetiva  à
questão do acidente do trabalho. Finca-se na base do direito social um outro
valor, com repercussões obrigacionais inimagináveis na esfera do direito
liberal, que é o direito à vida. “A instituição do direito à vida marcava o fim
da herança liberal das obrigações”.

Quando se fala em direito à vida, numa concepção de
direito social, ademais, fala-se da vida em sua plenitude, dentro de um
contexto de sociedade justa e solidária. Como explica Paulo Bonavides:
“Os direitos sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante
quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção clássica
dos direitos da liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social
muito  mais  rica  e  aberta  à  participação  criativa  e  à  valoração  da
personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se
formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos
valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda
plenitude”.

A  responsabilidade,  na  perspectiva  do  direito  social,
portanto, é completamente diversa da responsabilidade na esfera civil. A
sua incidência, ademais, não decorre do dano, mas do simples fato de se
expor  alguém  ao  risco.  A  responsabilidade,  na  ótica  do  direito  social,
impõe obrigações que determinam o modo de agir perante o outro, para
promover valores humanísticos e, no caso das condições de trabalho, no
contexto da produção hierarquizada, sobretudo para evitar a ocorrência de
dano à personalidade do trabalhador. Esta responsabilidade, portanto, nada
tem a ver com a visão liberal baseada na culpa, pois, afinal, ninguém pode
ser considerado culpado daquilo que sequer ocorreu.

A obrigação jurídica de evitar e de reparar os danos
decorrentes de acidente do trabalho não se trata, por conseguinte, de uma
obrigação que decorre da responsabilidade civil. Negar isto é o mesmo que
afastar a vigência ao direito social e apagar da história a base de formação
da linha de raciocínio que permitiu, mais tarde, o surgimento dos direitos
humanos de segunda geração.

A discussão no sentido de saber se o risco é próprio de
certas  atividades  é,  conseqüentemente,  um  típico  debate  sobre  a
responsabilidade na ótica do direito civil, já que no contexto do direito
social,  partindo-se  do  reconhecimento  de  que  o  empregado  está  sob  o
comando do empregador, exercendo suas tarefas dentro das delimitações
que lhe são especificadas, o risco está sempre presente e deve ser assumido
pelo empregador e não pelo empregado. O risco, assim, como já explicava
Evaristo de Moraes, nos idos de 1900, “é uma das condições normais do
exercício da profissão, um dos encargos que ela implica, e deve figurar
entre  as  despesas  gerais que a produção acarreta. (....) No  contrato do
empregador  com  o  empregado  fica  incluída  a  obrigação  de  reparar  o
acidente, que constitui, afinal, uma das despesas da produção industrial.  O
operário não corre o risco pessoal do acidente.”

Não se pode, desse modo, em hipótese alguma, reduzir a
potencialidade da reparabilidade do acidente do trabalho aos limites em que
se avalia a responsabilidade pelo dano causado nas relações jurídicas civis,
comuns (que têm todos aqueles pressupostos liberais, que estão à base do
fundamento jurídico da reparação: liberdade, igualdade e culpabilidade).
Lembre-se que para o direito social, tendo à vista o seu caráter de proteção
da dignidade humana, a obrigação é independente da ocorrência de dano.

Pode-se argumentar que as teorias da responsabilidade
pelo  risco,  sem  avaliação,  portanto,  da  culpa,  deram  ensejo  ao  seguro
obrigatório contra acidentes do trabalho que o empregador deveria fazer e
que depois acabou se incorporando ao seguro social e que a indenização
devida pelo empregador diretamente ao empregado teria outro fundamento,
qual seja, o da reparação civil.

Esta visão, no entanto, é de todo equivocada, pois nega a
razão histórica do tratamento jurídico do acidente do trabalho.

Senão vejamos.

As primeiras leis de acidente do trabalho, como visto,
buscaram fugir da noção jurídico-liberal da culpa e, para conferirem efetiva
reparação ao dano, fixaram a obrigação do empregador de instituir seguros
contra os acidentes do trabalho. Na França, competia aos empregadores
instituírem  seus  próprios  seguros  e  nos  demais  países,  para  não  se
onerarem, excessivamente, as empresas, fixou-se a obrigação no âmbito de
um seguro social (que, mais tarde, acabou sendo o fundamento do Estado
Social).

A instituição desses seguros significou grande mudança
na esfera jurídica do trabalhador frente ao acidente do trabalho, mas não se
pode  olvidar  que  nesta  época,  final  do  século  XIX,  ainda  vivia-se  no
contexto  do  modelo  jurídico  do  Estado  liberal.  Ou  seja,  os  seguros
instituídos, mesmo em caráter compulsório, não representavam uma efetiva
reparação  do  dano,  para  que  não  se  onerassem,  demasiadamente,  as
empresas.

No entanto, o artificialismo dessa proteção jurídica logo
se fez notar, pois com o tempo passou-se a verificar que a indenização
auferida pelo sistema de seguros estava muito aquém da reparação que o
acidentado auferiria se aplicados fossem os próprios parâmetros da regra de
reparação civil, até porque no cálculo do prêmio não se integrava o dano
pessoal  (de  natureza  moral)  experimentado.  Avançou-se,  assim,  para  a
idéia de complementação da indenização conferida pelo seguro social.
Este  avanço  se  deu,  no  Brasil,  por  obra  da
jurisprudência, que culminou, em 1964, com a edição da Súmula n. 229, do
STF: “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso
de dolo ou culpa grave do empregador”.

Houve a partir daí, no entanto, um grande equívoco, que
nos  influencia  até  hoje,  que  foi  o  de  considerar  que  a  indenização
suplementar,  ao  contrário  da  indenização  do  seguro  social,  teria
fundamento no direito comum, qual seja, na responsabilidade civil, que, é
claro, decorrente de sua origem liberal, requeria a demonstração de culpa
ou de dolo.

Fácil  perceber  o  equívoco.  Ora,  se  toda  a  teoria  da
obrigação de indenização por dano decorrente de acidente do trabalho foi
desenvolvida para fugir dos parâmetros da reparação civil liberal e apenas
por questão de ordem prática, ou seja, de viabilização de sua integração à
realidade industrial, visto que se desenvolvera ainda no modelo liberal, é
que se a transformou em obrigação de se firmar um seguro, que, mais tarde
se  incorporou  ao  seguro  social,  não  há  nenhum  sentido  em,  ao  se
reconhecer que o prêmio do seguro, não cobrindo, integralmente, o dano,
dá origem a fundamento jurídico distinto, para justificar a obrigação de
uma  indenização  suplementar.  Em  outras  palavras,  se  a  indenização
suplementar  é  meramente  um  complemento  econômico  da  indenização
paga pelo seguro, seu fundamento só pode ser o mesmo: a responsabilidade
de natureza social, ou, pelo risco (em todas as suas formas), sem avaliação,
portanto, da culpa.

A indenização do seguro social, com seu complemento,
qual  seja,  a  indenização  a  que  se  condena  o  empregador  diretamente,
reconhecendo-se que o prêmio do seguro não repara, satisfatoriamente o
dano, não elimina uma outra, esta sim, dependente de culpa ou de dolo (que
pode  também  ser  entendida  como  a  elevação  do  valor  da  indenização
complementar).

Melhor explicando: o empregado, pelo risco a que foi
submetido pelo exercício de trabalho sob o controle de outrem, que lhe
explora a atividade com fins econômicos, tem direito a obter reparação
integral por dano (material e pessoal) decorrente do acidente do trabalho,
mesmo  sem  culpa  do  empregador  e  ainda  com  culpa  exclusiva  do
empregado,  a  não  ser  com  demonstração  de  dolo  por  parte  deste.  O
empregador tem a obrigação de evitar o acidente do trabalho, minimizando
os riscos da atividade e cuidando para que o empregado não potencialize o
risco,  cometendo  erros  na  execução  de  suas  tarefas,  sem  que  o
cumprimento dessa obrigação de prevenção elimine o direito do empregado
à reparação integral pela ocorrência do dano. Já o empregador, que não
cumpre  a obrigação  de prevenir o dano  e que, portanto, não  pode ser
equiparado ao primeiro, age com culpa (ou, pior, com dolo) e neste caso
deve pagar ao empregado uma indenização ainda maior.

Repare-se, pois é muito importante: para o empregado,
perder  um  braço  é  perder  um  braço.  Tem  sempre  o  mesmo  efeito  e,
portanto, o direito a reparação integral decorre, pura e simplesmente, deste
fato.  Sob  o  ponto  de  vista  da  constituição  do  direito  do  empregado  à
reparação  do  dano  sofrido,  para  fins  de  quantificação  da  indenização
decorrente deste aspecto, não importa avaliar se o empregador agiu com
culpa  ou  não,  pois  isto  não  minimiza  ou  potencializa  o  seu  dano.  No
entanto, sob a perspectiva do empregador, não se pode equiparar aquele
que cumpriu com todas as obrigações de prevenção, e mesmo assim é
responsável pela reparação do dano (com a complementação necessária, de
natureza material e moral, em razão da ineficácia do seguro social), com o
outro que sequer cumpriu a obrigação de prevenção. Como dito acima, a
obrigação de prevenir é autônoma e independe até mesmo da ocorrência de
dano.  Advindo,  concretamente,  o  dano,  a  obrigação  de  repará-lo  não
elimina os efeitos do descumprimento da obrigação de prevenir.

Vistas  as  coisas  desse  modo,  é  fácil  compreender  o
dispositivo do inciso XIX, do art. 7o., da CF/88, que prevê, como direito
dos trabalhadores,  um seguro contra acidentes  do trabalho,  a cargo do
empregador, fixando-se quanto a este aspecto a responsabilidade pelo risco,
objetiva,  portanto,  e  na  qual  se  inclui,  por  conseqüência  natural,  a
indenização complementar necessária decorrente da ineficácia do prêmio
para  reparar  o  dano,  ainda  mais  porque  não  se  lhe  integra  o  dano  de
natureza extrapatrimonial (moral), sem prejuízo de outra indenização (ou a
elevação do valor daquela), fixada pela não demonstração satisfatória, por
parte  do  empregador,  de  que  cumpriu  integralmente  a  obrigação  de
prevenir o acidente, sendo seu, portanto, o ônus da prova neste sentido.

Por isto que, com razão, apontam Raimundo Simão de
Melo e Cláudio Brandão que o direito à reparação por acidente do trabalho
decorre de um dano a um valor jurídico muito maior, que se preserva
apenas na ordem do direito social, que é o direito à vida (no qual se inclui o
direito à saúde), tendo, portanto, fundamento constitucional, destacando-se,
neste sentido, os seguintes dispositivos:

Art. 1º. A República  Federativa  do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Art.  3º. Constituem  objetivos  fundamentais  da
República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;

Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas
suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
II - prevalência dos direitos humanos;

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
X  -  são  invioláveis  a  intimidade,  a  vida  privada,  a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Art.  186. A  função  social  é  cumprida  quando  a
propriedade  rural  atende,  simultaneamente,  segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II  -  utilização  adequada  dos  recursos  naturais
disponíveis e preservação do meio ambiente;
III  -  observância  das  disposições  que  regulam  as
relações de trabalho;
IV  -  exploração  que  favoreça  o  bem-estar  dos
proprietários e dos trabalhadores.

. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição
social:
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo
do empregador, sem excluir a indenização a que este
está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar  a  todos  existência  digna,  conforme  os
ditames  da  justiça  social,  observados  os  seguintes
princípios:
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
VI  -  defesa  do  meio  ambiente,  inclusive  mediante
tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental
dos  produtos  e  serviços  e  de  seus  processos  de
elaboração e prestação;

Art. 193. A ordem social tem como base o primado do
trabalho,  e  como  objetivo  o  bem-estar  e  a  justiça
sociais.

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de
outras atribuições, nos termos da lei:
II  -  executar  as  ações  de  vigilância  sanitária  e
epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;

Art.  225. Todos  têm  direito  ao  meio  ambiente
ecologicamente  equilibrado,  bem  de  uso  comum  do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-
lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
V  -  controlar  a  produção,  a  comercialização  e  o
emprego  de  técnicas,  métodos  e  substâncias  que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o
meio ambiente;
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao
meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou  jurídicas,  a  sanções  penais  e  administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.

Sim, também se poderá dizer: “mas o direito à vida é um
direito de todos e não apenas do empregado”. Por certo, então se alguém é
vítima de um dano à sua pessoa (imagem, integridade física, moral etc.)
tem direito a uma reparação e esta reparação não será, igualmente, uma
reparação decorrente de responsabilidade civil. E, mesmo que não se queira
chegar a esta conclusão, não há como negar que a situação do empregado
(do  trabalhador  em  geral,  que  se  submete  a  condições  de  trabalho
determinadas  pela  estrutura  empresarial  de  outrem)  é  diversa.  A
subordinação  potencializa  esse  efeito  jurídico,  tornando  especial  a
responsabilidade do empregador para com o empregado, pois, afinal, é do
trabalho do empregado que o empregador extrai seu incremento econômico
e  o  direito  social  se  preocupa  com  a  efetivação  da  proteção  jurídica
pertinente  ao  acidente  do  trabalho,  nos  sentidos  da  sua  prevenção  e
reparação, porque se insere em um modelo capitalista de produção, que
sem regulação gerou os maiores horrores que a humanidade já conheceu
(dentre  eles  os  acidentes  do  trabalho,  pelos  quais  ninguém  se
responsabilizava). Neste sentido, a proteção específica da vida no contexto
das  relações  produtivas  hierarquizadas  é  essência  da  sobrevivência  da
sociedade e do próprio modelo capitalista, tendo sido, como visto acima, a
base de formação do próprio Estado social.

Não há, portanto, como reduzir o alcance da relevância
dessa questão a um aspecto meramente patrimonial e individualista.
Assim, o fundamento para reparação do dano decorrente
do acidente do trabalho não é civil.

Restou demonstrado pelas provas constantes dos autos,
inclusive pelo laudo pericial constante de fls. 425/452, que o reclamante é
portador de sequela de acidente do trabalho tipo e síndrome do túnel do
carpo (fls. 451).

Nesse sentido, concluiu o perito judicial (fls. 451):
“Realizada a avaliação clínica do autor: RAUL FERREIRA BARTHOLO
assim como analisada os resultados dos exames solicitados e acostados
aos autos, sou de parecer que o autor é portador de Sequela de Acidente
de  Trabalho  Tipo  e  Síndrome  do  Túnel  do  Carpo  à  direita  em
ATIVIDADE, e apresenta  incapacidade para o trabalho (está afastado
pelo  INSS)  inclusive  aquele  desenvolvido  na  Reclamada,  como
Engenheiro”

E ainda, nas respostas aos quesitos da reclamada (fls.
450), o perito judicial concluiu:
“3. Informe se existe nexo causal entre a ocorrência indicada na inicial e
a responsabilidade da Reclamada.
R – Sim. Trata-se de Acidente Tipo e confirmada pela CAT anexa.
Dessa forma, o pedido de reparabilidade do patrimônio
ideal do autor é de inteira procedência. A denominação dano moral enseja
uma reparação ao agredido meramente de ordem moral, corre-se o risco de
entender que quando o fato não atinge a integridade moral do indivíduo não
se teria uma hipótese típica a reclamar uma indenização. É por este motivo
que alguns juristas preferem a denominação dano pessoal, para designar
esse fenômeno jurídico, justamente para abranger todas as hipóteses de
dano  ao  indivíduo,  seguindo  classificação  feita  por  Limongi  França:
integridade  física,  no  qual  se  inclui  o  aspecto  puramente  estético,
integridade intelectual e integridade moral.

Trata-se de dano especificamente moral ou pessoal, cuja
repercussão toca no sentir da vítima do ato ilícito, sendo certa e necessária
a reparação do dano perpetrado.

Desse  modo,  condeno  a  reclamada  ao  pagamento  de
indenização por dano moral, ora fixada em R$ 200.000,00, (duzentos mil
reais), valor este que leva em consideração a dimensão do dano e sua
projeção no patrimônio ideal do empregado e a condição sócio-econômica
das partes.

Assim sendo, reformo a r. sentença de primeiro grau.
2.  Do  adicional  de  periculosidade  –  O  pedido  de
incorporação do adicional de periculosidade aos salários do reclamante,
corretamente  indeferido  na  sentença  de  fls.  694-verso,  não  merece  ser
acolhido.

A Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo 7º, inciso XXII,
que o trabalhador tem direito à redução dos riscos inerentes ao
trabalho, preservando sua saúde, higiene e segurança.

O  artigo  194  da  Consolidação  das  Leis  do  Trabalho
determina  que  o  direito  do  empregado  ao  adicional  de  periculosidade
cessará com a eliminação do risco à saúde ou integridade física.
Trata-se, desta forma, de um adicional de compensação
pela exposição do trabalhador a atividades de risco, pela possibilidade de
ocorrer o infortúnio. Portanto, cessada a condição desfavorável, a saúde ou
integridade física do reclamante estará preservada.

No caso em análise, o reclamante relata que deixou de
trabalhar em condições perigosas, afirmando em juízo conforme ata de
audiência de fls. 293.

 Neste passo, resta mantida a sentença de origem neste
aspecto.
3.  Da  indenização  por  dano  moral  por  atos  da
administração -  Pleiteia o reclamante, indenização decorrente dos danos
morais, alegando que sua transferência de cidade e demissão ocorreu de
forma discriminatória.

A configuração do dano moral ocorre quando há, de
forma inequívoca, violação da honra subjetiva do empregado.

Não há nos autos comprovação de ofensas diretas ao
reclamante. Não há menções ofensivas ou que fujam dos preceitos legais
do poder diretivo do empregador em todos os documentos apresentados
com a petição inicial.

No  caso  em  análise,  estes  documentos  demonstram
somente  que  o  reclamante  sempre  agiu  assiduamente  no  ambiente  da
empresa, manifestava suas opiniões, exerceu de forma plena sua liberdade
de expressão, sem repressão direta de seus superiores.

Ressalta-se  ainda  que  na  audiência  de  instrução  (fls.
496) não houve testemunhas, somente o depoimento do reclamante, onde
não comprova as ofensas alegadas.

Conforme  corretamente  observado  na  sentença  (fls.
695), não há comprovação nos autos de fato que pudesse ensejar danos
morais.  E  ainda,  a  transferência  do  reclamante  para  outra  cidade  foi
legítima, bem como a supressão do adicional de periculosidade ocorrida
com a cessação da condição desfavorável.

Dessa forma, a sentença “a quo” merece ser mantida.

Diante do exposto, ACORDAM os Magistrados da 10ª
Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: CONHECER
do recurso ordinário interposto pelo reclamante e, no mérito,  DAR-LHE
PARCIAL PROVIMENTO, para condenar a reclamada ao pagamento de
indenização por danos morais decorrentes do acidente do trabalho no valor
de R$200.000,00 (duzentos mil reais).

PAULO EDUARDO VIEIRA DE OLIVEIRA
Juiz Relator
LHL

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